domingo, 14 de agosto de 2011

HOTÉIS DE CHARME E DE MISTÉRIO NA EUROPA por Francisco Souto Neto


HOTÉIS DE CHARME E DE MISTÉRIO NA EUROPA
por Francisco Souto Neto


Folha do Batel Ano 4 – Dezembro 2002 – Nº 38
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

Capa:



Página 4:



HOTÉIS DE CHARME E DE MISTÉRIO NA EUROPA
Francisco Souto Neto

Como nunca me vali de “pacotes turísticos” para viajar à Europa, tenho tido o privilégio de permanecer por quantos dias desejar em cada cidade, de optar pelos meus próprios passeios e neles permanecer pelo tempo que quiser, bem como de escolher os hotéis onde quero hospedar-me. Assim, é que tenho conhecido alguns hotéis de charme, aqueles que se notabilizam por suas características próprias, tornando-os pitorescos e únicos no mundo. Vou referir-me a três deles, cujas histórias poderão ser curiosas para o leitor.

Mällardrottningen Hotel

O Mällardrottningen é um hotel flutuante ancorado permanentemente no porto de Gamla Stan, o bairro antigo de Estocolmo, capital da Suécia. Trata-se de um iate com 60 cabines e uma história muito interessante. Ao ser construído em 1924, era o maior iate do mundo e foi o presente que o multimilionário Franklin Hutton deu à sua filha Barbara quando esta completou 18 anos.





Souto Neto em frente ao Mällardrottningen, o hotel flutuante.

Na sala principal do hotel flutuante,
fotografias da princesa Barbara Hutton.

 O iate Mällardrottningen ancorado em Gamla Stan.


Barbara Hutton que ao nascer nos Estados Unidos foi chamada de “o bebê de um milhão de dólares” fez jus à fama. Ao longo de sua vida casou-se muitas vezes, duas delas com “cabeças coroadas” da Europa: o príncipe Alexis Mdivani, da Rússia, e após outros casamentos e divórcios (dentre os quais com o ator hollywoodiano Cary Grant), com o príncipe Igor Troubetzkoy, também russo. Mesmo após o fim do casamento com o segundo príncipe, Barbara Hutton nunca mais dispensou o título de princesa.
Durante a primeira Guerra Mundial, a princesa Hutton “vendeu” o seu iate para a Marinha norte-americana pelo preço simbólico de um dólar. O barco sobreviveu à guerra. Vendido depois a uma companhia de navegação, atuou para o transporte de passageiros no Mar Báltico durante algumas décadas. No final dos anos 80 foi vendido a uma empresa hoteleira da capital da Suécia, que resolveu transformá-lo num hotel flutuante, atracado para sempre no bairro de Gamla Stan.
As cabines são pequenas, mas confortáveis, com televisor e telefone, e banheiro privativo. A única suíte do iate é a que era ocupada pela princesa. Todas as demais cabines eram usadas pelos seus felizes convidados. Eu fiquei hospedado na cabine de número 119.
O café da manhã no Mällardrottningen é um dos melhores que conheci na Europa. Um restaurante funciona no 4º andar da embarcação, um dos mais recomendados de Estocolmo. Uma das atrações do hotel é o Captain Bar, conservado como era desde a inauguração do iate. Em diversos dos ambientes há retratos da princesa Barbara Hutton, um deles na sala principal, cujo piso é de vidro inquebrável – já um tanto arranhado pelo desgaste dos últimos quase oitenta anos – através do qual vê-se a casa de máquinas do barco.
Hospedado naquele iate, não há como não pensar no destino da sua primeira proprietária, que foi “o bebê de um milhão de dólares”. Ela gastou rigorosamente toda a sua fortuna através da vida. Ao morrer num hospital, sua conta bancária assombrou o mundo: não lhe restavam mais do que 200 dólares... Sem dúvida, Barbara Hutton soube viver.

Pera Palas Hoteli de Istanbul

Quando estive em Istanbul, na Turquia, hospedei-me no legendário Pera Palas Hoteli, inaugurado no ano de 1892 com a finalidade de entreter os passageiros que chegavam à Turquia pelo trem Orient Express. Por cerca de 70 anos foi o hotel mais importante de Istanbul. Parecido com um palácio, uma das suas atrações é o elevador, todo de ferro trabalhado e vazado, que mais se assemelha a um portal das mil-e-uma-noites. Entretanto, a curiosidade maior do Pera Palas consiste nas pessoas famosas que lá se hospedaram. Os apartamentos têm placas de bronze nas portas, gravadas com os nomes das celebridades que ali dormiram. É divertido percorrer os corredores, o que fiz com meu companheiro de viagem Rubens Faria Gonçalves, filmando as placas. Encontramos nomes de Mata Hari, Greta Garbo, Ernest Hemingway, Jacqueline Kennedy, além de presidentes, príncipes, sultões. O mais famoso apartamento está localizado no corredor dos fundos. Trata-se do Agatha Christie Room, onde a famosa escritora viveu durante alguns meses e onde escreveu um dos seus romances mais famosos: “Assassinato no Orient Express”. Eu e meu amigo Rubens ficamos hospedados no Trotsky Room, um quarto espaçoso e bonito, com vista para a Ponte Gálata, dotado de um banheiro tão antigo, mas muito bem conservado, que parecia não ter sido reformado desde que foi ocupado pelo famoso político soviético.

Souto Neto saindo do elevador do Pera Palas Hoteli.

Souto Neto na porta do seu apartamento, o Trotsky Room.

Rubens Gonçalves e Souto Neto nos salões do Pera Palas Hoteli.

Rubens Gonçalves nos salões do Pera Palas.


Hotel Stein de Salzburg

A austríaca Salzburg, cidade natal de Mozart, é uma das localidades que mais encantam na Europa, tão interessante que a seu respeito eu poderia escrever livros inteiros. E estando numa cidade tão especial, seria lógico optar por um hotel que fugisse ao convencional. Assim, hospedei-me no Stein, hotel de apenas três estrelas, com a janela do meu apartamento sobre o Rio Salzach e vista para as torres da catedral e Fortaleza de Hohensalzburg. Porém, o mais extraordinário do prédio de seis andares ocupado pelo Hotel Stein Salzburg, é que ele foi construído no ano de... 1399. Um hotel com mais de 600 anos!
Seus corredores internos, onde se encontram as portas dos quartos, giram ao redor de dois átrios, através dos quais (certamente sem cobertura no passado) entrava a luz zenital, pois a luz elétrica só viria a ser inventada e instalada no prédio uns 500 anos após sua inauguração. Sem dúvida, funcionou como hospedaria durante séculos, tendo sido iluminado à noite por tochas e velas. A reforma para a instalação de banheiros nos quartos deve ter acontecido há poucas décadas. Tal reforma, porém, não danificou a estrutura original de paredes com mais de um metro de espessura e duas portas sobrepostas para a entrada de cada apartamento.


O Hotel Stein Salzburg está exatamente acima da cabeça de Souto Neto.
É um prédio de seis andares, com onze janelas voltadas para o Rio Salzach.
Não confundir com o prédio da esquina, que tem duas janelas voltadas para o rio.
Parece um prédio moderno, mas de fato foi construído em 1399. Tem mais de 600 anos! 

O átrio por onde entrava a luz zenital
500 anos antes da invenção da luz elétrica.

No caso do Hotel Stein de Salzburg, o que impressiona é imaginar as centenas e centenas de gerações que ali se hospedaram desde a Idade Média, desde aqueles tempos quase imemoriais, quando faltava ainda mais de um século para a descoberta do Brasil...
Fatos como estes, tão densos de história, só poderiam mesmo acontecer no continente que é o berço da cultura ocidental: a fascinante Europa.

-o-

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