sexta-feira, 5 de agosto de 2011

NO RASTRO DE MARIA ANTONIETA EM VERSALHES por Francisco Souto Neto


NO RASTRO DE MARIA ANTONIETA EM VERSALHES
por Francisco Souto Neto


Folha do Batel Ano 4 - Agosto/2002 - Nº 34
Diretor-presidente: José Gil de Almeida

Capa:



Página 7:



NO RASTRO DE MARIA ANTONIETA EM VERSALHES
Francisco Souto Neto

            Em minha mais recente viagem à Europa, passei uma semana em Paris e reservei um dia para visitar o palácio e jardins de Versalhes, cidade situada na área metropolitana da capital francesa. Com meu amigo Rubens Faria Gonçalves aproximei-me do monumental palácio, cuja fachada foi feita de tal modo, por uma espécie de V invertido, que o visitante vai sendo engolido aos poucos pelo gigantismo da construção, até chegar ao Pátio de Mármore, em cujo centro, no andar superior, localizavam-se os aposentos do rei.

As cerimônias do despertar e do adormecer

            Começamos o passeio pelo interior do palácio que foi a residência dos reis da França de 1682 até a Revolução Francesa em 1789. Subimos as escadarias. Após a riquíssima capela, entramos nos salões e aposentos, todos resplandecentes e superlativos. A Galeria dos Espelhos, um salão com 70 metros de comprimento, é no mínimo deslumbrante.

O Salão dos Espelhos, com 73 metros de comprimento por 10,5
de altura, resplende em ouro, cristais e pinturas no teto abobadado.
Neste salão, em 1919, foi ratificado o Tratado de Versalhes que
encerrou a Primeira Guerra Mundial. Rubens Gonçalves à direita.

            No quarto do rei, fiquei pensando em quão ridículas hoje nos parecem as antigas cerimônias do despertar e do adormecer. É que desde Louis XIV, todas as manhãs os cortesãos entravam no quarto do rei e ficavam respeitosamente contidos pela balaustrada de ouro que separava a cama da vastidão do aposento, esperando que o rei acordasse.

Quarto e cama do Rei-Sol.

            Ao despertar, o soberano era “lavado”, vestido, penteado e, afinal, “montado” pelos servos, com suas rendas e arminhos, enquanto todos observavam em silêncio. A cerimônia do adormecer era justamente o que o nome sugere: todos iam ver o rei ser vestido com o camisolão e esperavam que adormecesse, para então saírem em silêncio do aposento.

Os partos da rainha

            O quarto de Maria Antonieta, a trágica rainha da França, [esposa de Louis XVI], era também de grande esplendor. Ali – outro absurdo – os partos das rainhas eram presenciados pelos cortesãos. As principais personalidades da corte deviam assistir ao nascimento dos herdeiros reais porque, segundo a tradição, atestariam a legitimidade do parto. Olhando aquela cama suntuosa [uma réplica], não há como não imaginar Maria Antonieta nela deitada, tornando públicos [certamente contra a sua vontade] os seus momentos íntimos da maternidade.


Quarto e cama da rainha Maria Antonieta.

            Ao eclodir a Revolução Francesa, Maria Antonieta viu, através das janelas daquele mesmo quarto, o povo atravessar o Pátio de Mármore e invadir o palácio. Começava ali o seu calvário ao lado do rei Louis XVI, que culminaria com a morte de ambos na guilhotina.

O “Hameau” da rainha

            Saindo do palácio, tomamos um “trenzinho” que nos levou através dos jardins até ao Petit Trianon, donde seguimos a pé em direção ao Hameau de Maria Antonieta. O Hameau (pronuncia-se “Amô”) é uma aldeia composta de oito casas rústicas que a rainha mandou construir bem longe do palácio, para funcionar como uma espécie de “casas de bonecas”, mas em tamanho natural, para o prazer e entretenimento da soberana.



Quando a rainha Maria Antonieta ia ao Hameau,
esta era a casa que ela ocupava. Era a maior de todas.

Uma "casa simples" de camponeses, ocupada pelos cortesãos 
da confiança da rainha. Esta era uma das hortas onde Maria 
Antonieta "trabalhava" (brincava) com roupas de camponesa. 

            Naquela falsa aldeia, a rainha e um pequeno grupo de nobres da sua confiança vestiam-se com trajes de camponeses, e ela “brincava” de ser aldeã. Todos eles mexiam nas hortas, faziam queijos, colhiam ovos e apreciavam os gordos porcos e outros animais.

Outra falsa casa de camponês. Atrás da cerca onde Rubens
Gonçalves se apóia, vêem-se os gordos porcos, como no
tempo em que a rainha "brincava" no seu Hameau.

Uma pequena galinha escapa do galinheiro, mas é muito
mansa e se deixa tocar por Souto Neto.

Detalhe da foto anterior, mostra Souto Neto
tocando a crista da pequena galinha mansa.

            Aparentemente, Maria Antonieta sentia falta de uma vida mais simples, longe da extrema riqueza do palácio. Para alguns, isso soa como um paradoxo. Eu, particularmente, sempre senti um misto de perplexidade e pena dessa rainha. É que naquele momento e naquele país, as mulheres, mesmo as rainhas, pouco podiam influir na vida política. Parece-me que se Maria Antonieta nada fez em prol do povo, também nada fez contra o mesmo. Alienada, isto sim, ela divertia-se na horta do seu Hameau, ou decorava papeis para representar outras pessoas em seu pequeno, mas luxuoso teatro particular do Petit Trianon. Vivia fantasias sem compreender, em profundidade, a grave situação que envolvia a França, principalmente a fome que grassava entre a enorme população paupérrima. Maria Antonieta, por ser alienada, poderia até mesmo ter merecido a prisão... Mas sua execução na guilhotina foi um ato de cruel exagero.
            O interessante do Hameau é que as casas são mantidas como no tempo em que a rainha ali brincava. As hortas estão regadas, os legumes estão prontos para a colheita, e os robustos porcos muito felizes. O galinheiro está repleto de aves bem nutridas que por ali ciscam alegremente. As casas são encantadoras e singelas. A que era usada pela rainha, voltada para o lago, era a maior de todas.

Os jardins e os visitantes para o jantar

            Do Hameau voltamos a pé para o Palácio de Versalhes, para isso atravessando seus quilométricos jardins repletos de estátuas e elaboradas fontes. Passamos parte da tarde perdendo-nos e reencontrado o caminho em meio aos traçados dos gigantescos canteiros e bosques. O principal espelho d’água é um verdadeiro lago artificial em forma de cruz, com aproximadamente 1600 por 1200 metros de extensão. É tão grande que no tempo dos reis, ali havia barcos navegando unicamente para o prazer do casal real e seus convidados.

Rubens Gonçalves de costas para os espelhos d'água
e lagos dos jardins de Versalhes. No horizonte, muito
longe, avista-se parte do palácio.

Souto Neto nos jardins de Versalhes.

            Ao retornarmos ao palácio, as multidões de turistas tinham desaparecido. Éramos alguns dos últimos a deixar o lugar. Foi quando presenciamos um acontecimento estranho. Vimos que pessoas elegantes desciam de um ônibus e seguiam por uns cem metros sobre um tapete vermelho que se estendia desde a porta do veículo até à entrada do palácio. Estavam trajados a rigor e as mulheres usavam vestidos compridos com muitos brilhos. Apesar de o sol ainda alto, já passava das 21 horas. Pela pompa, pareciam reis e rainhas. Foi quando eu me lembrei de ter lido algo quando estava ainda no Brasil, e imediatamente compreendi que aquelas eram pessoas comuns, que chegavam para um jantar no Palácio de Versalhes. É que para arrecadar mais dinheiro, a administração do palácio instituiu jantares para aqueles que desejam ser recebidos como se fossem reis, por preços que só os ricos – fúteis? – podem pagar.

Visitantes entrando no palácio para o jantar, pisando no
tapete vermelho colocado estranhamente "em cotovelo". 
À direita da foto, os músicos de costas

Neste detalhe ampliado da foto anterior, pode-se ver 
que os músicos tocam de costas para os convidados.

            Sucederam-se uns vinte ônibus repletos de gente chique. Quando o primeiro passageiro descia de cada ônibus na passarela vermelha, uma banda de costas para os visitantes começava a tocar música renascentista, com uns instrumentos de sopro, cujo nome desconheço. Têm eles o “funil” que passa sob o braço do músico e aponta para trás, terminando como se fosse uma grande corneta, daí o fato de os músicos ficarem de costas para os homenageados. Éramos apenas uns vinte turistas retardatários que apreciávamos o espetáculo. Ao nosso lado, uma família japonesa ria-se a ponto de curvar-se sobre a barriga. É que aconteciam alguns incidentes com aqueles “visitantes ilustres”. Por exemplo, um velho senhor que desceu do ônibus apoiado numa bengala, ao pisar no tapete vermelho trazia o paletó dobrado no braço e, de certa forma ansioso, vestiu-o afobada e rapidamente, para isto girando a bengala sobre a própria cabeça e assim quase atingindo o rosto de uma elegante e opulenta senhora que vinha logo atrás. Esta deu um grande pulo para não ser atingida. Nós filmamos um pouco do divertido espetáculo, principalmente porque queríamos guardar de lembrança a magnífica melodia que era produzida pelos interessantes instrumentos musicais.
            Deixando o esplendor de Versalhes, quando passamos pela estátua equestre de Louis XIV, apontei para o palácio e formulei ao amigo a conhecida e já antiga pergunta: “Tudo isto para um só homem?”. Qualquer francês teria a resposta na ponta da língua: “Não! Tudo isto pela glória da França!”.

Souto Neto apontando à estátua do Rei Sol.
- Tudo isto para um só homem?
- Não! Tudo isto pela glória da França.
Ilustrações originais: Foto 1 – A Galeria dos Espelhos. Foto 2 – A casa da rainha no Hameau.

-o-


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